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kaisybird

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O PERÍODO ÁUREO DA SEGURANÇA

Desde que comecei a ler a sério - não para alimentar de fadas e princesas a imaginação, ver no comportamento de Sophies e Brigittes um termo de comparação para o despontar da minha adolescência, ou simplesmente entreter o tempo com romances cor-de-rosa - que Stefan Zweig se tornou um dos meus escritores de eleição. Comecei pelas biografias de Maria Antonieta e Maria Stuart e, à medida que o meu pensamento ia evoluindo, li muitas outras obras, todas bastante diferenciadas, de acordo com a sua enorme cultura, conhecimento do mundo e de muitos personagens que ilustraram a cultura europeia do século vinte, um século em que a Europa passou do deslumbramento ao horror, após o que a insegurança se instalaria no espírito dos povos, dispostos a tudo para terem nem que fosse apenas um simulacro de paz. Terá sido por essa altura que a verdade terá sido ultrapassada pela eficiência da mentira que, ao contrário da verdade que se apresenta despida de artifícios, resulta de cuidada eleboração e da automatização resultante de uma aturada prática de "guarnecer" a verdade.

Comecei há dias a reler o que terá sido o último livro de Stefan Zweig , uma autobiografia que o autor não deseja que seja vista como tal mas sim como sendo ele o relator de uma história de que é apenas um dos protagonistas . Com isto ele tem a modéstia de nos fazer ver que a mesma história poderia ser contada por qualquer outro, com ele no meio de uma multidão de personagens, sem que isso assumisse qualquer relevância. Os factos mantinham-se, apenas a perspectiva poderia ser outra.

Stefan Zweig começa por nos apresentar a Europa que antecedeu a Primeira Guerra Mundial, época que considera "o período áureo da segurança", tendo com referência a democracia austríaca:

 

" Tudo na nossa democracia austríaca quase milenar parecia construido para durar sempre, sendo o próprio Estado o garante dessa estabilidade. Os direitos que ele assegurava aos seus cidadãos eram ratificados pelo parlamento, representação livremente eleita  do povo, e cada obrigação estava definida com precisão. A nossa moeda, a coroa austríaca, circulava em cintilantes peças de ouro, assim garantindo a sua estabilidade. Todos sabiam quanto tinham, ou quanto tinham a receber, o que era permitidp e o que era proibido. Tudo se fazia com conta, peso e medida.Quem fosse dono de uma fortuna, podia calcular exactamente quanto lhe cabia anualmente de juros; o funcionário e o oficial podiam,com toda a confiança, encontrar no calendário o ano em que seria promovidos e aquele em que passariam à reforma. Cada família tinha o seu orçamento certo e sabia quanto precisava gastar em habitação e em alimentação, na viagem de Verão e em despesas de representação; além disso havia, inevitavelmente, a preocupação de por de lado um pequeno pecúlio para os imprevistos, para uma doença, para os cuidados médicos. Quem possuisse uma casa considerava-a o lar seguro para filhos e netos, quintas e negócios passavam de geração em geração; enquanto a criança de peito estava ainda no berço já se depositava no mealheiro ou na caixa económica um primeiro óbulo para o seu percurso de vida, uma pequena"reserva" para o futuro. Tudo neste imenso império era inalterável e estava firme no seu lugar, e o lugar mais alto era ocupado pelo velho imperador, mas caso ele morresse (assim se supunha) um outro viria e nada mudaria nesta ordem bem planificada.

(...)No seu idealismo liberal o dealbar do século estava sinceramente convencido de se encontar no caminho certo e infalível que levava ao "melhor de todos os mundos".

Era com desdém que se olhava para as épocas passadas, com as suas guerras, fomes e revoltas, um tempo em que a humanidade era ainda menor e insuficientemente esclarecida. (...) O progresso ininterrupto, imparável, tinha para essa época a força de uma verdadeira religião e acreditava-se mais nesse "progresso" do que na Bíblia, e o seu Evangelho parecia irrefutavelmente comprovado pelos novos milagre diários da ciência e da técnica."

Um mundo em que o Estado zelava pela colectividade sem que com isso fosse dispensada a obrigação de cada um zelar por si mesmo, pelo seu futuro e descendência! Que longe se perdeu!

 

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